UM POSSÍVEL CAMINHO PARA A TRIBUTAÇÃO DE DIVIDENDOS.

O maior desafio à frente do Ministério da Economia no tema relativo ao retorno da tributação de dividendos é o equacionamento da arrecadação. Não há dúvida de que essa tributação, de fato, retornará com a reforma tributária em tramitação no Congresso. Resta saber como o Governo fará para, ao mesmo tempo, não diminuir a tão necessária arrecadação em tempos de pandemia, e também não a aumentar impostos de modo a desagradar a sociedade empresarial?

As empresas, à exceção das que são optantes pelo chamado simples nacional, pagam um imposto sobre a renda a uma alíquota total de 34% considerando o imposto de renda pessoa jurídica e a contribuição social sobre o lucro. No ano de 2019, a arrecadação total com esses dois tributos foi de 260 bilhões de reais. Além de os dados de 2020 não estarem ainda disponíveis na Receita Federal, para fins estatísticos esse ano pode trazer distorções em decorrência da pandemia, portanto fiquemos com 2019. A arrecadação com o imposto de renda das pessoas físicas nesse ano foi, por sua vez, de 40 bilhões de reais.

Não há como desprezar, por conseguinte, a importância do IRPJ e da CSLL no bolo arrecadatório da União Federal. Ou seja, uma diminuição de 10% na alíquota desses tributos representaria algo em torno de 76 bilhões de reais.

Em paralelo, no debate sobre o retorno da tributação de dividendos, diversas vozes da sociedade, principalmente as que representam os empresários, têm proclamado que não aceitam um aumento de carga tributária. Logo, o que deveria acontecer seria uma “transferência de carga tributária” das empresas para as pessoas físicas dos sócios ou acionistas quando da distribuição de dividendos.

Mas como operacionalizar isso sem comprometer a arrecadação e sem aumentar a carga tributária total?

Pois bem.

Antes de demonstrar a ideia, necessário recapitular os modelos de tributação da renda das pessoas jurídicas previstos na legislação brasileira. Basicamente, temos três regimes: lucro real, lucro presumido e simples nacional.

Pelo regime de lucro real, a empresa apura o lucro contábil e, a partir dele, registra adições e exclusões a este lucro contábil para chegar ao lucro fiscal (lucro real). Estão obrigadas ao regime de lucro real as empresas com faturamento anual superior a R$ 78 milhões, bem como outros segmentos selecionados da atividade econômica, como por exemplo bancos e seguradoras.

O regime de lucro presumido, como o nome sugere, permite a um grande número de pessoas jurídicas que faturam até R$ 78 milhões por ano aplicar, sobre a receita bruta, um percentual de presunção, que será o “lucro presumido”. Trata-se de regime opcional para as pessoas jurídicas não obrigadas à adoção do regime de lucro real.

O chamado simples nacional aplica-se às microempresas e empresas de pequeno porte, assim definidas aquelas com faturamento anual igual ou inferior a R$ 4,8 milhões. As alíquotas aplicáveis ao regime abrangem vários tributos, inclusive IRPJ e CSLL, e conferem uma carga tributária mais favorável a essas empresas se comparada ao lucro presumido e, frequentemente, ao lucro real.

As pessoas físicas são tributadas com bases em alíquotas progressivas que vão de 7,5% a 27,5%.

Dito isso, temos que se a alíquota incidente sobre a distribuição de dividendos fosse um percentual fixo de 10%, a soma das alíquotas do IRPJ e da CSLL deveria ser reduzida para 24%. Para os sócios ou acionistas das empresas submetidas ao lucro real, poder-se-ia estabelecer que a tributação de 10% recairia sobre a parcela do lucro “real” que for distribuído. A parcela do lucro “contábil” distribuída que exceder a esta parcela do lucro “real” permaneceria isenta.

Essa proposta, em tese, proporcionaria ao mesmo tempo a manutenção da arrecadação e da carga tributária total. É claro que pode haver distorções pontuais, como por exemplo a decisão por não distribuir ou distribuir parcialmente os dividendos, mas para fins do debate aqui proposto penso que o raciocínio é válido.

A mesma ideia seria aplicável aos sócios e acionistas optantes pelo lucro presumido. A parcela do lucro presumido que for distribuída seria tributada à alíquota de 10% e o restante da distribuição permaneceria isento.

Quanto ao simples nacional, dada a previsão constitucional de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, as regras permaneceriam as mesmas, podendo estabelecer a continuidade de isenção na distribuição de dividendos, ou condicioná-la a um certo limite.

Penso que a alíquota total de 24% para o IRPJ e à CSLL seria adequada porque estaria em consonância com a média das alíquotas vigentes entre os países membros da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), da qual o Brasil pretende fazer parte. E a tributação de dividendos também é ponto comum entre os países membros da entidade.

Deve-se refletir, ainda, sobre a extinção do lucro presumido. Como contribuintes optantes, agradecemos, mas o regime causa distorções para o sistema de tributação da renda. Talvez seja melhor adotar a ideia que já expressamos alhures no sentido de se adotar uma tributação da renda semelhante ao sistema norte-americano. Em síntese, para as empresas que faturam até 78 milhões de reais por ano, não haveria tributação da renda na pessoa jurídica e toda tributação recairia sobre a pessoa física dos sócios, aplicando-se as alíquotas progressivas vigentes para todas as pessoas físicas.

Novamente trago meditações para o debate. Julgo importante que a sociedade empresária seja ouvida, mas é importante que ela também dele participe.

Em que as ideias aqui apresentadas mudam a circunstância atual? Do ponto de vista tributário e arrecadatório, provavelmente muito pouco, o que em tese agradaria, por ora, gregos e troianos. Do ponto de vista econômico, pode impulsionar decisões de investimento, principalmente nas empresas optantes pelo lucro real. Ao invés de distribuir todo o lucro real (que seria tributado a alíquota de 10%), parte (ou até mesmo todo ele) seria reinvestido no negócio. Do ponto de vista político, um horizonte com esse viés, aliado a reformas que proporcionem a correta aplicação do dinheiro público e o combate a corrupção, pode ser o caminho para que este ou qualquer outro Governo adquira credibilidade e legitimidade para, no futuro, quem sabe, propor - e não encontrar rejeição - a tributação dos dividendos aplicando-se alíquotas progressivas ao invés de uma alíquota fixa. E quem sabe o fim do lucro presumido.

 

Artigo publicado no Valor Econômico - Dia 05/02/2021

Dr. Dalton Luiz Dallazem, SJD

  • Professor de Direito Tributário Internacional
  • Mestre (PUC-SP) e Doutor (UFPR)
  • Mestre (UF-EUA) e Doutorando (UF-EUA)
  • Perin & Dallazem Advogados
  • Founding Partner

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